27.7.09

CORDEL

UM BEIJO EM MARIA BONITA

Conheço quem presta e quem não presta
Cabra macho e cabra frouxo
Tem muié que é boa de dança
E muié que é boa de arrocho

Conheço homem valente
Bandido, sordado e tenente
Sou fi de mãe macambira
Conheço o olhar do homem covarde
E olhar do homem com ira

Sou pai e fi de terra salgada
Piso em chão móiado de ói preto
Sou um branco azedo adoçado com sal
Fi adotivo de uma terra chamada Macau
Sou um galego que vive no gueto

Conheço pangaré valente
Puro sangue que trinca dente
Cavalo gordo preguiçoso
E cavalo mago que derruba gente
Quenga que na cama é uma cabra velha
E moça recatada que na cama é uma serpente
Fi de rico, ladrão
E fi de pobre, decente

Conheço jogador ruim de barai que tem sorte
Jogador honesto e ladrão
Jogador de sinuca por esporte
Jogador bom que joga sem tesão

Já comi muié de cafetão
Dama de copas e dama de espada
Dos reis de gravata, só levo lapada
E do valete de ouro, lamentação

Já beijei Dalila
Já venci sanção
Dei surra em Golias
Bebi cana com David
Que é meu irmão
Arranquei o bigode de Hitler
E tomei o punhal de lampião
Derrubei muitos castelos
Já fui herói e vilão
Vi leão dando o rabo
Já entrei em boca de tubarão

Já fui valente e covarde
Já corri de briga
Também já fiz muito alarde
Só não deixei moça bonita
Me esperar sozinha no fim da tarde
Já masquei pé de urtiga
Apanhei em muita briga
Mas nunca de caboclo covarde
Sou um fogo que gela
Sou um gelo que arde

Se Lampião e jararaca vivos inda vivesse
Enfrentava os dois numa briga grande
Fazia Lampião chorar que nem menino
E Jararaca ficar sem sangue
Dava uma pêia nos dois
E massacrava o resto da gangue

Agora, em mulher eu nunca dei
Nem darei
Carinho e amor disso sabem que sei
Mas alisar coro de homem
Inda mais mal encarado e fêi
Ficou pra fi de puta
Que é sempre fi alhêi

Pra me vencer numa confusão
Não precisa revorve, espada ou facão
Basta uma linda donzela
E um nobre coração
Pois pra matar a minha ira
Deixe longe de mim a mentira
Traga perto deu a emoção

Sou brabo e sem vergonha
Sou pobre e sou rico
Nem sou filho de cegonha
Nem toda muié é pra meu bico

Já sorri de trizteza
Já chorei de alegria
Comi peba, fussura e buchada
Comi sapo pensando que era gia
Só não vi até hoje
Gato latir
Nem cachorro que mia
Preá pular feito macaco
Ou calango que assobia
Já dormir em balcão de bar
Já trepei de riba da pia

Já tomei revorve de sordado
E faca de açogueiro
Estilingue de menino
E peixeira de peixeiro
Mas nunca tomei pra mim
Coração de moça ruim
Que me deixou apaixonado
Pra todo tipo de homem sou perigoso
E pra muita muié mais pareço um veado
Mas se Maria bonita viva ainda fosse
Dava-lhe um beijo roubado
Virgulino seria corno
Eu, homem honrado
Todo mundo me temeria
Ah danada valentia!
Minha donzela pros meus braços corria
E viveria ao meu lado
Eu ficava logo mufino
Pois apesar de ter roubado a muié de virgulino
E ser um homem apaixonado
O povo agora me chamaria de acovardado
Vez que o amor da moça eu teria
Mas por uma triste ironia
Minha brabeza morreria
Me deixando um homem ababacado
Outro caboclo ela de mim roubaria
Eu ficaria fracassado
Pois sina de mulher
É deixar coração de homem amargurado

KEKEL

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